30 de set. de 2011

À Procura de Uma Dignidade


À Procura de Uma Dignidade

A Srª Jorge B. Xavier simplesmente não saberia dizer como entrara. Por algum portão principal não fora. Pareceu-lhe vagamente sonhadora, ter entrado por uma espécie de estreita abertura em meio a escombros de construção, como se tivesse entrado de esguelha por um buraco feito só para ela. O fato é que quando viu já estava dentro.

E quando viu percebeu que estava muito, muito dentro. Andava interminavelmente pelos subterrâneos do Estádio de Futebol do Maracanã, ou, pelo menos, pareceram-lhe cavernas estreitas que davam para salas fechadas, e quando se abriam as salas só havia janelas que davam para o estádio. Este, àquela hora torradamente deserto, reverberava ao extremo sol dum calor inusitado que estava acontecendo naquele dia de pleno inverno.

Então a senhora seguiu por um corredor sombrio. Este a levou igualmente a outro mais sombrio. Pareceu-lhe que o teto dos subterrâneos era baixo.

E aí este corredor a levou a outro que a levou por sua vez a outros.

Dobrou o corredor deserto. E aí em outra esquina.

Então continuou automaticamente a entrar pelos corredores que sempre davam para outros corredores. Onde seria a sala da aula inaugural? Pois junto desta encontraria as pessoas com quem marcara o encontro. A conferência era capaz de já ter começado. Ia perdê-la, ela que se forçava a não perder nada de cultural porque assim se mantinha jovem por dentro, já que até por fora ninguém adivinhava que tinha quase setenta anos, todos lhe davam uns cinqüenta e sete.

Mas agora, perdida nos meandros internos e escuros do Maracanã, a senhora já arrastava pés pesados de velha.

Foi então que subitamente encontrou num corredor um homem surgido do nada, e perguntou-lhe pela conferência que o homem que também surgira repentinamente ao dobrar o corredor.

Então este segundo homem informou que havia visto perto da arquibancada da direita, em pleno estádio aberto, “duas damas e um cavalheiro, uma de vermelho”. A Srª Xavier tinha dúvida de que essas pessoas fossem o grupo com quem devia se encontrar antes da conferência, e na verdade já perdera de vista o motivo pelo qual caminhava sem nunca mais parar. De qualquer modo seguiu o homem para o estádio, onde parou ofuscada pelo espaço oco de luz escancarada e de mudez aberta, o estádio nu desventrado, sem bola nem futebol. Sobretudo sem multidão. Havia uma multidão que existia pelo vazio de sua ausência absoluta.

As duas damas e o cavalheiro já haviam sumido por algum corredor?

Então o homem disse com desafio exagerado: “Pois vou procurar para a senhora e vou encontrar de qualquer jeito essa gente, eles não podem ter sumido no ar”.

E de fato de muito longe ambos os viram. Mas um segundo depois tornaram a desaparecer. Parecia um jogo infantil onde gargalhadas amordaçadas riam da Srª Jorge B. Xavier.

Então entrou com o homem por outros corredores. Aí este homem também sumiu numa esquina.

A senhora já desistira da conferência, que no fundo pouco lhe importava. Contanto que saísse daquele emaranhado de caminhos sem fim. Não haveria porta de saída? Então sentiu como se estivesse dentro dum elevador enguiçado entre um andar e outro. Não haveria porta de saída?

E eis que subitamente lembrou-se das palavras de informação da amiga pelo telefone: “Fica mais ou menos perto do Estádio do Maracanã”. Diante dessa lembrança estendeu o seu engano de pessoa avoada e distraída que só ouvia as coisas pela metade, a outra ficando submersa. A Srª Xavier era muito desatenta. Então, pois, não era no Maracanã o encontro, era apenas perto dali. No entanto o seu pequeno destino quisera-a perdida no labirinto.

Sim, então a luta recomeçou pior ainda: queria por força sair de lá e não sabia como nem por onde. E de novo apareceu no corredor aquele homem que procurava as pessoas e que de novo lhe garantiu que as acharia porque não podiam ter sumido no ar. Ele disse assim mesmo:

– As pessoas não podem ter sumido no ar!

A senhora informou:

– Não precisa mais se incomodar de procurar, sim? muito obrigado, sim? porque o lugar onde preciso encontrar as pessoas não é no Maracanã.

O homem parou imediatamente de andar para olhá-la perplexo:

– Então que é que a senhora está fazendo aqui?

Ela quis explicar que sua vida era assim mesmo, mas nem sequer sabia o que queria dizer com o “assim mesmo” nem com “sua vida”, por isso nada respondeu. O homem insistiu na pergunta, entre desconfiado e cauteloso: “Que é que ela estava fazendo ali?” Nada, respondeu apenas em pensamento a senhora, já então pressentes a cair de cansaço. Mas não lhe respondeu, deixou-o pensar que era louca. Além do mais ela nunca se explicava. Sabia que o homem a julgava louca – e quem dissera que não? Se bem que soubesse ter a chamada saúde mental tão boa que só podia se comparar com sua saúde física. Saúde física já agora rebentada, pois rastejava os pés de muitos anos de caminho pelo labirinto. Sua via-crucis. Estava vestida de lã muito grossa e sufocava suada ao inesperado calor dum auge de verão, esse dia de verão que era um aleijão do inverno. As pernas lhe doíam, doíam ao peso da velha cruz. Já se resignara dalgum modo a nunca mais sair do Maracanã e a morrer ali de coração exangue.

Então, e como sempre, era só depois de desistir das coisas desejadas que elas aconteciam. O que lhe ocorreu de repente foi uma idéia: “Mas que velha maluca eu sou”. Em vez de continuar a perguntar pelas pessoas que não estavam lá, porque não procurava o homem e indagava como se saía dos corredores? Pois o que queria era apenas sair e não encontrar-se com ninguém.

Achou finalmente o homem, ao dobrar duma esquina. E falou-lhe com voz um pouco trêmula e rouca, por cansaço e medo de ter vã esperança. O homem desconfiado concordou mais do que depressa que era melhor mesmo que ela fosse embora para casa e disse-lhe com cuidado: “A senhora parece que não está muito bem da cabeça, talvez seja este calor esquisito”.

Dito isto, entrou com ela no primeiro corredor e na esquina avistavam-se os dois largos portões abertos. Apenas assim? Tão fácil assim? Apenas assim.

Então a senhora pensou sem nada concluir que só para ela é que se havia tornado impossível achar a saída. A Srª Xavier estava apenas um pouco espantada e ao mesmo tempo habituada. Na certa, cada um tinha o próprio caminho a percorrer interminavelmente, fazendo isto parte do destino, no qual ela não sabia se acreditava ou não.

E havia o táxi passando. Mandou-o parar e disse-lhe, controlando a voz que estava cada vez mais velha e cansada:

– Moço, não sei bem o endereço, esqueci. Mas o que sei é que a casa fica numa rua-não-me-lembro-mais-o-quê mas que fala em “Gusmão” e faz esquina com uma rua se não me engano chamada Coronel-não-sei-quê.

O chofer foi paciente como com uma criança: “Pois então não se afobe, vamos procurar calmamente uma rua que tenha Gusmão no meio e Coronel no fim”, disse virando-se para trás num sorriso, e aí piscou-lhe um olho de conivência que parecia indecente. Partiram aos solavancos que lhe sacudiam as entranhas.

Então de repente reconheceu as pessoas que procurava e que se achavam na calçada defronte duma casa grande. Era porém como se a finalidade fosse chegar e não a de ouvir a palestra que a essa hora estava totalmente esquecida, pois a Srª Xavier se perdera do seu objetivo. E não sabia em nome de que caminhara tanto. Então viu que se cansara para além das próprias forças e quis ir embora, a conferência era um pesadelo. Pediu a uma senhora importante e vagamente conhecida e que tinha carro com chofer para levá-la para casa, porque não estava se sentindo bem com o calor estranho. O chofer só viria daí a uma hora. Então a Srª Xavier sentou-se numa cadeira que tinham posto para ela no corredor, sentou-se empertigada na sua cinta apertada, fora da cultura que se processava defronte na sala fechada. Donde não se ouvia som algum. Pouco lhe importava a cultura. E ali estava nos labirintos de sessenta segundos e de sessenta minutos que a encaminhariam a uma hora.

Então a senhora importante veio e disse assim: que a condução estava à porta mas que lhe afirmava que, como o motorista avisara que ia demorar muito, em vista de a senhora não estar passando bem, mandara parar o primeiro táxi que vira. Porque a Srª Xavier não tivera ela própria a idéia de chamar um táxi, se submetera aos meandros do tempo de espera. Então agradeceu ao motorista com extrema delicadeza. A senhora era sempre muito delicada e educada. Entrou no táxi e disse:

– Leblon, por obséquio.

Tinha o cérebro oco, parecia-lhe que sua cabeça estava em jejum.

Daí a pouco notou que rodavam e rodavam mas que de novo ter minavam por voltar a uma mesma praça. Porque não saíam de lá? Não havia de novo caminho de saída? O motorista acabou confessando que não conhecia a Zona Sul, que só trabalhava na Zona Norte. Ela não sabia como ensinar-lhe o caminho. Cada vez mais a cruz dos anos pesava-lhe e a nova falta de saída apenas renovava a magia negra dos corredores do Maracanã. Não havia meio de se livrarem da praça? Então o motorista disse-lhe que tomasse outro táxi, e chegou mesmo a fazer sinal para que passara ao lado. Ela agradeceu comedidamente, fazia cerimônia com as pessoas, mesmo com as conhecidas. Além do que era muito gentil. No novo táxi disse a medo:
– Se o senhor não se incomodar, vamos para o Leblon.

E simplesmente saíram logo da praça e entraram por novas ruas.

Foi ao abrir com a chave a porta do apartamento que teve vontade apenas mental e fantasiada de soluçar bem alto. Mas ela não era de soluçar nem de reclamar. De passagem avisou à empregada que não atenderia telefonemas. Foi direto ao quarto, tirou toda a roupa, engoliu sem água uma pílula e esperou que esta desse resultado.
Enquanto isso, fumava. Lembrou-se de que era mês de agosto, dava azar. Mas setembro viria um dia como porta de saída. E setembro era por algum motivo o mês de maio: um mês mais leve e mais transparente. Foi vagamente pensando nisso que a sonolência finalmente veio e ela adormeceu. Quando acordou, horas depois, viu que chovia uma chuva fina e gelada, fazia um frio de lâmina de faca. Nua na cama, ela enregelava. Então achou muito curioso ser uma velha nua. Lembrou-se de que planejara comprar uma écharpe de lã. Olhou o relógio: ainda encontraria o comércio aberto. Tomou um táxi e disse:

– Ipanema, por obséquio.

O homem disse:

– Como é que é? É para o Jardim Botânico?

– Ipanema, por favor – repetiu a senhora, bastante surpreendida. Era o absurdo do desencontro total: pois que havia em comum entre as palavras Ipanema e Jardim Botânico? Mas de novo pensou vagamente que “era assim mesmo a sua vida”.

Fez rapidamente a compra e viu-se na rua já escurecida sem ter que fazer. Pois o Sr. Jorge B. Xavier viajara para São Paulo no dia anterior e só voltaria no dia seguinte.

Então, de novo em casa, entre tomar nova pílula para dormir ou fazer alguma outra coisa, optou pela segunda hipótese, pois lembrou-se de que agora poderia voltar a procurar a letra de câmbio perdida. O pouco que entendia era que aquele papel representava dinheiro. Há dois dias procurara minuciosamente pela casa toda, e até pela cozinha, mas em vão. Agora lhe ocorria: e por que não debaixo da cama? Talvez. Ajoelhou-se no chão. Mas logo cansou-se de só estar apoiada nos joelhos e apoiou-se também nas duas mãos.

Então percebeu que estava de quatro.

Assim ficou um tempo, talvez meditativa, talvez não. Quem sabe, a Srª estivesse cansada de ser um ente humano. Estava sendo uma cadela de quatro. Sem nobreza nenhuma. Perdida a altivez última. De quatro, um pouco pensativa talvez. Mas debaixo da cama só havia poeira.

Levantou-se com bastante esforço das juntas desarticuladas e viu que nada mais havia a fazer senão considerar com realismo – e era com um esforço penoso que via a realidade – considerar com realismo que a letra estava perdida e que continuar a procurá-la seria nunca sair do Maracanã.

E, como sempre, já que desistira de procurar, ao abrir a gavetinha de lenços para tirar um – lá estava a letra de câmbio.

Então a senhora, cansada pelo esforço de ter ficado de quatro, sentou-se na cama e começou muito à toa a chorar de manso. Parecia mais uma lengalenga árabe. Há trinta anos não chorava, mas agora estava tão cansada. Se é que aquilo era choro. Não era. Era alguma coisa. Finalmente, assoou o nariz. Então pensou o seguinte: que ela forçaria o “destino” e teria um destino maior. Com força de vontade se consegue tudo, pensou sem a menor convicção. E isso de estar presa a um destino ocorrera-lhe porque já começara sem querer a pensar em “aquilo”.

Aconteceu então que a senhora também pensou o seguinte: era tarde demais para ter um destino. Pensou que bem faria qualquer tipo de permuta com outro ser. Mas lhe ocorreu que não havia com quem se permutar: quem quer que fosse, ela era ela e não podia se transformar em outra única. Cada um era único. A Srª Jorge B. Xavier também era.

Mas tudo o que lhe acontecera ainda era preferível a sentir “aquilo”. E eis que de repente “aquilo” veio com seus longos corredores sem saída. E sem o menor pudor, “aquilo” era a fome dolorosa de suas entranhas, fome de ser possuída pelo inalcançável ídolo de televisão. Não perdia um só programa dele. Então, já que não pudera se impedir de pensar nele, o jeito era deixar-se pensar e relembrar o rosto de menina-moça do cantor Roberto Carlos, meu amor.

Foi lavar as mãos sujas de poeira e viu-se no espelho da pia. Então a Srª Xavier pensou assim: “Se eu quiser muito, mas muito mesmo, ele será meu por ao menos uma noite”. Acreditava vagamente na força de vontade. De novo se emaranhou no desejo, que era retorcido e estrangulado.

Mas, quem sabe?, se desistisse de Roberto Carlos, então é que as coisas entre ele e ela aconteceriam. A Srª Xavier meditou um pouco sobre o assunto. Então espertamente fingiu que desistia de Roberto Carlos. Mas bem sabia que a desistência mágica só dava resultados positivos quando era real, e não apenas um truque como modo de conseguir. A realidade exigira muito da senhora. Examinou-se ao espelho para ver se o rosto se tornara bestial sob a influência de seus sentimentos. Mas era um rosto quieto que já deixara há muito de representar o que sentia. Aliás, seu rosto nunca exprimira senão boa educação. E agora era apenas a máscara duma mulher de setenta anos. Sua cara levemente maquilhada pareceu-lhe e dum palhaço. A senhora forçou sem vontade um sorriso para ver se melhorava. Não melhorou.

Por fora – viu no espelho – ela era uma coisa seca como um figo seco. Mas por dentro não era estorricada. Pelo contrário. Parecia por dentro uma gengiva úmida, mole assim como gengiva desdentada.

Então procurou um pensamento que a espiritualizasse ou que a estorricasse de vez. Mas nunca fora espiritual. E por causa de Roberto Carlos a senhora estava envolta nas trevas da matéria, onde ela era profundamente anônima.

De pé no banheiro era tão anônima quanto uma galinha.

Numa fração de fugitivo segundo quase inconsciente, vislumbrou quase todas as pessoas anônimas. Porque ninguém é o outro e outro não conhecia o outro. Então – então a pessoa é anônima. E agora estava emaranhada naquele poço fundo e mortal, na revolução do corpo. Corpo cujo fundo não se via e que ra a escuridão das trevas malignas de seus instintos vivos como lagartos e ratos. E tudo fora de época, fruto fora de estação? Por que nunca lhe tinham avisado as outras velhas que até o fim isso podia acontecer? Nos homens velhos bem vira olhares lúbricos. Mas nas velhas não. Fora de estação. E ela viva como se ainda fosse alguém, ela que não era ninguém.

A Srª Jorge B. Xavier era ninguém.

Então quis ter sentimentos bonitos e românticos em relação à delicadeza de rosto de Roberto Carlos. Mas não conseguiu: a delicadeza dele apenas a levava a um corredor escuro de sensualidade. E a danação era a lascívia. Era fome baixa: ela queria comer a boca de Roberto Carlos. Não era romântica, ela era grosseira em matéria de amor. Ali no banheiro, defronte do espelho da pia.

Com sua idade indelevelmente maculada. Sem ao menos um pensamento sublime que lhe servisse de leme e que enobrecesse a sua existência.

Começou a desmanchar o coque dos cabelos e a penteá-los devagar. Estavam precisando de nova pintura, as raízes brancas já apareciam. A senhora pensou o seguinte: na minha vida nunca houve um clímax como nas histórias que se lêem. O clímax era Roberto Carlos. Meditativa, concluiu que iria morrer secretamente assim como secretamente vivera. Mas também sabia que toda morte é secreta.

No fundo de sua futura morte imaginou ver no espelho a figura cobiçada de Roberto Carlos, com aqueles macios cabelos encaracolados que ele tinha. Ali estava, presa ao desejo fora de estação assim como o dia de verão em pleno inverno. Presa no emaranhado dos corredores do Maracanã. Presa ao segredo mortal das velhas. Só que ela não estava habituada a ter quase setenta anos, faltava-lhe prática e não tinha a menor experiência.

Então disse algo e bem sozinha:

– Robertinho Carlinhos.

E acrescentou ainda: meu amor. Ouviu sua voz com estranheza, como se estivesse pela primeira vez fazendo, sem nenhum pudor ou sentimento de culpa, a confissão que no entanto deveria ser vergonhosa. A senhora devaneou que era capaz de Robertinho não querer aceitar o seu amor porque tinha ela própria a consciência de que este amor era muito piegas, melosamente voluptuoso e guloso. E Roberto Carlos parecia tão casto, tão assexuado.

Seus lábios levemente pintados ainda seriam beijáveis? Ou por acaso era nojento beijar boca de velha? Examinou bem de perto e inexpressivamente os próprios lábios. E ainda inexpressivamente cantou o estribilho da canção mais famosa de Roberto Carlos: “Quero eu você me aqueça neste inverno e que tudo o mais vá para o inferno”.

Foi então que a Srª Jorge B. Xavier bruscamente dobrou-se sobre a pia como se fosse vomitar as vísceras e interrompeu sua vida com uma mudez estraçalhante: tem! que! haver! uma! porta! de saííííííída!

Clarice Lispector
Extraído do site ebaH


Clarisse Dançava


Clarisse Dançava

Secular ancila negra,
Sob correntes paralisantes,
Fita flébil, o inquieto infinito.
-Maravilha-se
E assim mesmo… Dança.

Na realidade poder-se-ia dizer…

Clarice nasceu dançando!

Quando ainda muito pequena, pequerrucha – miúda mesmo – já deu seus primeiros passos dançando. Seu desejo de dançar veio da alma, de dentro de si. Por isso ninguém jamais soube por que se manifestou este talento em Clarice.

“Por que tanto dançava Clarice?”

Clarice caminhava dançando, banhava-se dançando; dançando sorria, dançando vivia. Quando um novo dia raiava, encontrava Clarice dançando. Mesmo à noite se Clarice dormia e sonhava; sonhava que estava dançando.

Clarice que muito sorria pouco falava. Não pedia, não reclamava.

“Clarice somente dançava!”

Assim crescia Clarice, dançando. O sol ao surgir parecia vir lhe saudar todos os dias e que só resplandecia para vê-la dançar e sorrir. Na sua alegria Clarice dançava, era assim dançando que a Deus agradecia, e dançando dia adentro permanecia. Enfim, quando o crepúsculo retornava não raro a encontrava dançando.

Quando Clarice dançava, dançava toda Clarice. Dançavam seus olhos, seu dorso, seu sorriso. Até seus crespos cabelos negros, no ar, pareciam dançar.

Aos quinze anos, não era somente devido a suas danças, sempre originais, que Clarice a todos encantava, também pelo seu talhe já belo, esguio, faceiro, um tanto quanto altivo.

Clarice comemorou seus dezesseis anos dançando. Na festa do aniversário de Clarice ninguém dançou. Não, não dançaram os parentes, não dançaram os convidados, nem mesmo os não esperados; porque todos apenas queriam vê-la dançando.

Naquele dia foi tanto o deslumbramento das pessoas que os pais de Clarice sentiram n’alma orgulho e felicidade por terem gerado o talentoso ser. Além do mais, a Clarice deles apenas dançava e estava ali sob todos os seus cuidados.

“Que mal haveria em dançar, não há no mundo inteiro pessoas que se expressam dançando?”

“Que ganham muito, muito dinheiro dançando?”

“Não seria a dança tão antiga quanto o caminhar da humanidade?”

Não, não era possível haver algo do mal no fato da Clarice deles dançar! Além do mais, o mundo parecia mais vívido e menos impuro ante a graciosidade de sua Clarice dançando.

Um dia os pais sentiram falta de Clarice. Procuraram-na. Muitos, nos arredores, houveram visto a pequena passar, porém não souberam informar aonde ela fora. Na verdade, não ousaram atestar se Clarice passara indo ou se Clarice passara vindo. Isto porque se lembraram apenas de tê-la visto dançando.

No dia seguinte, encontraram a irrequieta menininha imersa nos florais do jardim da cidade. Era quase noite e chovia; entretanto, Clarice dançava. Por entre os pingos da chuva seu corpo realizava contornos no espaço. Seus pés pareciam sintonizar com o tamborilar do cair da chuva. De modo tão lindo dançava, que as pessoas paravam para observar e ali permaneciam, aplaudindo Clarice, dançando com Clarice.

Seus próximos sabiam que seus olhos nem-sempre-verdes entravam numa singular apatia quando ela não estava dançando; e sobrevinha-lhe um apático semblante demonstrando que quando ela não podia dançar o seu coração inquietava-se sofrendo, e como era lindo ver Clarice dançar!

Seguindo insuflados conselhos dos amigos, os pais de Clarice levaram-na ao Dr. analista. Então, Clarice pediu ao douto para dançar. Quando Clarice dançou, o médico compreendeu que se havia alguém doente, os doentes eram eles próprios. O que Clarice ofertava a todos era demasiado singelo e puro para aquelas pessoas compreenderem. Toda a clínica aplaudiu e dançou com Clarice.

Decidiu-se então que a pequena Clarice poderia dançar. Decidiu-se como se fosse correto impedir aquele corpinho esbelto de sair cabriolando no ar, misturando-se aos compassos musicais. Assim, desta vez, não foi feita a injunção comum e (Ave!) permitiram que Clarice dançasse.

Agora Clarice era menina-moça mais bela da região. No colégio a queriam dançando. Em casa, os irmãos, os parentes, os vizinhos se reuniam para vê-la dançar.

Certo dia, resolveram levar a terna e ainda ingênua Clarice para uma academia de dança profissional. Nas rápidas semanas seguintes Clarice aprendera os segredos da salsa, os passos marcados da valsa, a disciplina e altivez dos clássicos. “Ao requebrar-se no samba parecia criada entre os bambas”. Dançava o can-can, o vira, o afoxé. Dançava nas óperas, brilhava nas danças dos orixás do candomblé.

O mestre então disse que Clarice estava pronta. Nada mais tinha para ensinar para Clarice.

“Ela é a própria arte da dança..”.

Recomendou-a aos melhores empresários que ele conhecia. Aqueles que foram ver Clarice dançar quase não acreditaram…

Disputaram entre si o direito de contratá-la. Dispuseram e discutiram com os pais dela motivos e acordos contratuais, lançamentos e excursões, passeios, lucros e estadias, que Clarice com seu talento pagaria.

No dia da “première” novamente chovia. Clarice adentrou ao palco, confusa e impressionada com todo aquele aparato. Bem notou como a assistência estava lotada. Lá estavam seus pais, seus amigos, muitos conhecidos e desconhecidos da cidade.

Pouco Clarice havia dançado e eles começaram a aplaudir. Durante todo o tempo eles aplaudiram. Mal se podia ver, mal se podia ouvir. Quando Clarice terminou, aplaudiam todos:

- Aplaudim-na o diretor, os músicos, a platéia e o bilheteiro.

Vieram as grandes excursões e ao mundo Clarice encantou.

Ela não entendia bem por que ficar tão longe dos seus para dançar; mas sempre divinamente dançou. Encantados, os leigos a aplaudiam, os críticos aplaudiam.

- os artistas aplaudiam.

Assim o tempo fora passando. Clarice se destacava nos palcos, nos vídeos, nos jornais. Onde no mundo, a pequena Clarice estava, a bilheteria superfaturava.

Foi então que notaram que Clarice dançava demais…

“Clarice dançava demais, DEMAIS !”

Clarice vivia dançando! Colhia flores dançando? “Beijava as crianças dançando”; Abraçava os amigos dançando…

Estivessem seus pés calçados ou nus…

“Que perigo… Também dançava!”

Alguém, se pedisse para seus passos demonstrar – “Que prejuízo!” – graciosamente partia Clarice dançando.

Foi então “para sua própria segurança” que impuseram para Clarice: Fora do palco ela não poderia dançar (Cláusula contratual).

Também seus pés teriam de ser mantidos calçados, intocados, presos e oleados.

No dia que Clarice dançava na platibanda do topo do edifício…

- A platéia não aplaudia… seus pais não entendiam, seu empresário blasfemava.

Na verdade, ela não estava se importando de estar ali, rompendo cláusulas contratuais.

Da borda da laje do altíssimo edifício de fria arquitetura de cimento e aço, Clarice perscrutou o horizonte e maravilhou-se, pois achou que todo o hemisfério dançava.

Dançavam os astros, dançavam as nuvens, dançavam as marés, dançavam as galeras e as gaivotas, ao ritmo da brisa do mar. Clarice viu também que imersas na mesma brisa fluídica as folhas das copas das árvores dançavam.

Ela agora se sentia mais alegre, liberta; porquanto realmente concebia haver dança em tudo.

“Em tudo? Nem tanto… “

Observou que algo estava inerte lá embaixo.

“Mesmo assim, a seu redor várias pessoas dançavam.”

De repente, pode ver melhor… Era seu próprio corpo!

Mas que importância poderia isto ter? Era apenas uma infinitésima parte de matéria do universo paralisada.

Além do mais, ela nunca compreendera bem essas coisas.

Ela agora finalmente se sentia em um verdadeiro estado de êxtase; fascinada! Percebera que dispunha diante de si de todo o infinito para poder livremente dançar.

Foi assim que a pequena Terpsícore partiu…

- Dançando no ar.

Lázaro Marback D’Oliveira
Extraído o livro “Súmulas do Valor da Vida”


O Cupim


O Cupim

Obrigaram uma moça a se casar com um rapaz, contra a sua vontade. Ela não gostava do marido de jeito nenhum. À noite, quando ele vinha se deitar, tentando abraçá-la, ela descia da rede e ficava de costas. Toda noite era assim. Para ver se aos poucos ela se acostumava, o pai convidou o genro para caçarem no mato, levando-a junto. Mas ela continuava a não querer dormir com o marido. O pai teve uma idéia. Pegou muitos vaga-lumes, “bagapbagawa man” na nossa língua. Sem que a filha percebesse, pregou grande quantidade de vaga-lumes no cupim, que chamamos “txapô”. Fez isso de dia. Atou a rede da filha bem pertinho do munduru, que é um ninho de cupim, e a rede do marido do outro lado. Assim fez um tapiri, uma cabana. Anoiteceu, jantaram, a moça deitou na própria rede. Dormiu. Quando foi no meio da noite, acordou e viu aquele munduru alumiado. Assustou que só vendo e deitou com o marido. Nunca mais largou o marido, e até hoje existe a luz no munduru.

Lenda Indígena – Sem Autor
Extraído do site Desvendar


Muiraquitã


Muiraquitã

Muiraquitã é o nome que os índios davam a pequenos objetos, geralmente representando uma rã, trabalhados em pedra de cor verde, jadeíta ou nefrita, podendo existir em outros minerais e de outras cores. Conhecidos desde os tempos da descoberta, foi entre os séculos XVII e XIX que se tornaram mais procurados, sendo atribuídas qualidades de amuleto ou talismã e ainda virtudes terapêuticas. O muiraquitã atraía sorte para os seus possuidores e também curava quase todas as doenças. Conta a lenda que antigamente havia uma tribo de mulheres guerreiras, as ICAMIABAS, que não tinham marido e não deixavam ninguém se aproximar de sua taba. Manejavam o arco e a flecha com uma perícia extraordinária. Parece que Iací , a lua, as protegia. Uma vez por ano recebiam em sua taba os guerreiros Guacaris, como se fossem seus maridos.

Se nascesse uma criança masculina era entregue aos guerreiros para criá-los, se fosse uma menina ficavam com ela. Naquele dia especial, pouco antes da meia – noite, quando a lua estava quase a pino, dirigiam-se em procissão para o lago, levando nos ombros potes cheios de perfumes que derramavam na água para o banho purificador. À meia- noite mergulhavam no lago e traziam um barro verde, dando formas variadas: de sapo, peixe, tartaruga e outros animais. Mas é a forma de sapo a mais representada por ser a mais original. Elas davam aos Guacaris, que traziam pendurados em seu pescoço, enfiados numa trança de cabelos das noivas, como um amuleto. Até hoje acredita-se que o Muiraquitã traz felicidades a quem o possui, sendo, portanto, considerado como um amuleto de sorte. O muiraquitã deu muito o que falar e gerou muitas controvérsias. Foi contestada inclusive sua origem, que não seria amazônica e sim asiática.

Icamiabas significa “mulheres sem maridos”.

Lenda Indígena – Sem Autor
Extraído do site Desvendar

Iguaçu - as Cataratas que Surgiram do Amor


Iguaçu - as Cataratas que Surgiram do Amor

Distribuída em várias aldeias, às margens do sereno Rio Iguaçu, a tribo dos Caiangangs formava uma poderosa Nação Indígena. Tinham como deuses Tupã, O Deus do Bem e M’Boy, seu filho rebelde, o Deus do Mal. Era este o causador das doenças, tempestades, das pagas nas plantações, além dos ataques de animais ferozes e das demais tribos inimigas. A fim de se protegerem do Deus do Mal, em todas as primaveras, os Caiangangs a ele ofereciam uma bela jovem como esposa, ficando esta impedida para sempre de amar alguém. Apesar do sacrifício, esta escolha era para ela um privilégio, motivo de honra e orgulho. Naípi, filha de um grande cacique, conhecida em todos os cantos por sua beleza, foi desta vez a eleita.

Feliz, aguardava com ansiedade o dia de tornar-se esposa do temido Deus. Iniciaram-se assim os preparativos da grande festa. Convidados chegavam de todas as aldeias para conhecê-la. Entre eles estava Tarobá, valentes guerreiros, famosos e respeitados por suas vitórias. Ocorreu que, talvez pela vontade do bom Deus Tupã, Tarobá e Naípi vieram a se apaixonar, passando a manter encontros secretos às margens do rio. Sem ser notado, M’Boy acompanhava os acontecimentos, aumentando a sua fúria a cada dia. Na véspera da consagração, os jovens encontraram-se novamente às margens do rio. Tarobá preparou uma canoa para fugirem no dia seguinte, enquanto todos adormeciam, fatigados com as danças e festejos e sob efeito das bebidas fermentadas.

Iniciaram a fuga e, já à boa distância do local M’Boy concretizou sua vingança. Lançou seu poderoso corpo no espaço em forma de uma enorme serpente, mergulhando violentamente nas tranqüilas águas e abrindo uma cratera no fundo do rio Iguaçu. Formaram-se assim as cataratas, que tragaram a frágil canoa. Tarobá foi transformado em uma palmeira no alto das quedas e Naípi em uma pedra nas profundezas de suas águas. Do alto, o jovem apaixonado contempla sua amada, sem poder tocá-la. Restando-lhe apenas murmurar seu amor quando a brisa lhe sacode a fronde.

Em todas as primaveras lança suas flores para Naípi, através das águas, como prova de seu amor. A jovem está sempre banhada por um véu de águas claras e frescas, que lhe amenizam o calor de seus sentimentos. Ainda hoje, M’Boy permanece escondido numa gruta escura, vigiando atentamente os jovens apaixonados. Ouve-se dizer que, quando o arco-íris une a palmeira à pedra, pode-se vislumbrar uma luz que dá forma aos dois amantes, podendo-se ouvir murmúrios de amor e lamento.

Lenda Indígena – Sem Autor
Extraído do site Desvendar


O Paraíso Terrestre


O Paraíso Terrestre

A nação indígena dos Caiapós habitava uma região onde não havia o sol nem a lua, tampouco rios ou florestas,ou mesmo o azul do céu. Alimentavam-se apenas de alguns animais e mandioca, pois não conheciam peixes, pássaros ou frutas. Certo dia, estando um índio a perseguir um tatu canastra, acabou por distanciar-se de sua aldeia. Inacreditavelmente, à medida que este se afastava, sua caça crescia cada vez mais. Já próximo de alcançá-la, o tatu rapidamente cavou a terra, desaparecendo dentro dela. Sendo uma imensa cova, o indígena decidiu seguir o animal, ficando surpreso ao perceber que, ao final da escuridão, brilhava uma faixa de luz. Chegando até ela, maravilhado, viu que lá existia um outro mundo, com um céu muito azul e o sol a iluminar e a aquecer as criaturas; na água muitos peixes coloridos e tartarugas.



Nos lindos campos floridos destacavam-se as frágeis borboletas; florestas exuberantes abrigavam belíssimos animais e insetos exóticos, contendo ainda diversas árvores carregadas de frutos. Os pássaros embelezavam o espaço com suas lindas plumagens. Deslumbrado, o índio ficou a admirar aquele paraíso, até o cair da noite. Entristecido ao acompanhar o pôr do sol, pensou em retornar, mas já estava escuro…Novamente surge à sua frente outro cenário maravilhoso: uma enorme lua nasce detrás das montanhas, clareando com sua luz de prata toda a natureza. Acima dela multidões de estrelas faziam o céu brilhar. Quanta beleza! E assim permaneceu, até que a lua se foi, surgindo novamente o sol. Muito emocionado, o índio voltou à tribo e relatou as maravilhas que viera a conhecer. O grande pajé Caiapó, diante do entusiasmo de seu povo, consentiu que todos seguissem um outro tatu, descendo um a um pela sua cova através de uma imensa corda, até o paraíso terrestre. Lá seria o magnífico Mundo Novo, onde todos viveriam felizes.



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Kuát e Iaê – A Conquista do Dia


Kuát e Iaê – A Conquista do Dia

No principio só havia a noite. Os irmãos Kuát e Iaê – o Sol e a Lua – já haviam sido criados, mas não sabiam como conquistar o dia. Este pertencia a Urubutsim (Urubu-rei), o chefe dos pássaros. Certo dia os irmãos elaboraram um plano para captura-lo. Construíram um boneco de palha em forma de uma anta, onde depositaram detritos para a criação de algumas larvas. Conforme seu pedido, as moscas voaram até as aves, anunciando o grande banquete que havia por lá, levando também a elas um pouco daquelas larvas, seu alimento preferido, para convencê-las. E tudo ocorreu conforme Kuát e Iaê haviam previsto.

Ao notarem a chegada de Urubutsim, os irmãos agarraram-no pelos pés e o prenderam, exigindo que este lhes entregasse o dia em troca de sua liberdade. O prisioneiro resistiu por muito tempo, mas acabou cedendo. Solicitou então ao amigo Jacu que este se enfeitasse com penas de araras vermelhas, canitar e brincos, voasse à aldeia dos pássaros e trouxesse o que os irmãos queriam. Pouco tempo depois, descia o Jacu com o dia, deixando atrás de si um magnífico rastro de luz, que aos poucos tudo iluminou. O chefe dos pássaros foi libertado e desde então, pela manhã, surge radiante o dia e à tarde vai se esvaindo, até o anoitecer.

Lenda Indigena – Sem Autor
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Iamulumulu - a Formação dos Rios


Iamulumulu - a Formação dos Rios

Savuru era um espírito que possuía duas esposas. A pedido dos irmãos Sol e Lua, que as cobiçavam, as ariranhas o mataram, ficando sua esposa mais velha com o sol e a outra com a lua. Seguiram então os casais em direção à aldeia de Kanutsipei. Durante o caminho, os irmãos encontraram dificuldades e necessitaram da ajuda de outros espíritos: Iumulumulu lhes curou a impotência, Ierêp fez com que neles nascesse o ciúme das esposas e, uma vez cansados, pediram a Uiaó algo que os fizessem adormecer. No dia seguinte, dispostos, retomaram a caminhada. Chegando ao local pretendido, estavam sedentos e pediram água a Kanutsipei.

A água, porém, estava suja. O irmão Lua, tomando a forma de um beija-flor, voou rapidamente à procura de boa água. Ao voltar contou-lhes que o espírito os enganara, mantendo escondidos muitos potes com a mais pura água. Contrariados, os casais retornaram a sua aldeia, contando a todos o que ocorrera. O Sol e a Lua uniram-se a vários espíritos, Vanivani, Iananá, Kanaratê, os zunidores Hori-hori, invocando também os espíritos das águas que habitavam a copa do Jatobá. Chamaram ainda as máscaras Jakui-katu, Mearatsim, Ivat, Jakuiaép e Tauari. Reunidos, dançaram e resolveram voltar à aldeia de Kanutsipei para tomarem posse de sua água, quebrando todos os potes, conduzindo-a a outras regiões. Mearatsim, o primeiro a chegar, cantou para espantar o dono do local.

Chegaram então os outros espíritos, à medida que os potes foram quebrados, formou-se ali uma grande lagoa, de onde cada um dos espíritos criou um rio. Assim, o Sol criou o Rio Ronuro; Vani-vani formou o Rio Maritsauá; Kanaratê, o Paranajuva; Tracajá, o Kuluene e Iananá, um afluente do Ronuro. A formação dos rios não agradou ao Sol, pois todos corriam para o Morena, a região sagrada dos espíritos. Iniciou-se ali uma grande confusão, em meio à qual a Lua foi engolida por um grande peixe. O Sol, desesperado, saiu à procura do irmão, no ventre dos peixes que encontrava. Chegou a capturar o Tucunaré, o Matrinxã, o Pirarara e a Piranha. Mas havia sido o Jacunaum que a engolira, informou o Acará. E ambos, unidos, partiram à caça do peixe.

Pediram a Tapera (andorinha do campo) que lhes conseguisse um grande anzol, ocultando-o num charuto. O Acará nadou à procura de Jacunaum, oferecendo-lhe fumo. Desta maneira, o Sol conseguiu fisgá-lo. Entretanto, dentro do peixe, restavam apenas os ossos de seu irmão. Desejando ardentemente que a Lua revivesse, o Sol arrumou no chão seu esqueleto, cobrindo-o com as folhas perfumadas do Enemeóp. Aos poucos, como por encanto, a carne foi surgindo, revestindo os ossos até formar um novo corpo. Faltava-lhe ainda a vida. O Sol então introduziu um mosquitinho em sua narina, provocando-lhe um espirro, que a fez finalmente despertar. Assim foram criados os rios e, a partir daí, iniciou-se a prática da pajelança, tendo sido o Sol o primeiro pajé.



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Mumuru – A Estrela dos Lagos


Mumuru – A Estrela dos Lagos

Maraí, uma jovem e bela índia, muito amava a natureza. À noite, ficava a contemplar a chegada da Lua e das estrelas. Nasceu-lhe, então, um forte desejo de tornar-se uma estrela. Perguntou ao pai como surgiam aqueles pontinhos brilhantes no céu e, com grande alegria, veio a saber que Jacy, a Lua, ouvia os desejos das moças e, ao se esconder atrás das montanhas, transformava-as em estrelas.

Muitos dias se passaram sem que a jovem realizasse seu sonho. Resolveu então aguardar a chegada da Lua junto aos peixes do lago. Assim que esta apareceu, Maraí encantou-se com sua imagem refletida na água, sendo atraída para dentro do lago, de onde não mais voltou.

A pedido dos peixes, pássaros e outros animais, Maraí não foi levada para o céu. Jacy transformou-a numa bela planta, ganhando o nome de Mumuru, a vitória-régia.

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